Pular para o conteúdo principal

sobre morar numa casa sem adultos

Entre o terceiro e décimo período da faculdade morei em casa de parentes pra poder estudar e militar, depois que terminei a faculdade não me senti bem em continuar assim "morando na casa dos outros" por mais que me sentisse à vontade e acolhida,  então decidi passar perrengue com outra amiga, mas assegurar minha "independência", ainda bem que a vida como sempre foi generosa comigo e fui aprovada na residência que nos oferece uma boa bolsa pra poder estudar e prestar serviço ao SUS, o fato é que morar sozinha e aí leia "morar sem adultos" (não aceito ser uma adulta) é uma experiência incrível e que eu recomendo.  
 
Morar longe dos pais e por conta própria é viver levando choques diários de realidade, você vai colocar em prática tudo que sua mãe dizia e você não dava muita moral e percebe que é tudo verdade, sim, as coisas são caras, sim, você não pode estragar comida, isso é básico. Convivência, gastos e tarefas do lar precisam estar em harmonia pra que dê tudo certo e em todas elas você vai lembrar de como na sua casa era tudo tão fácil e até mágico porque você não precisava se preocupar com nada disso.
 
Seus pais, irmão e irmã, sei lá, eles te aturam porque você é chato/a e na casa nova você pensa, "meu deus eles me amam mesmo, como é que eles sempre me aguentaram?" Morar com pessoas novas faz a gente pensar nisso e sentir isso na pele, outras pessoas não tem obrigação de aguentar seu mau humor e aí a gente precisa tá sempre se policiando, coisa que a gente não faz em casa, pessoas novas tem costumes cotidianos diferentes do seu então é uma construção coletiva diária, entender o outro, respeitar o espaço e a cara feia do outro, respeitar o silêncio do outro e acho que depois de um tempo de convivência as coisas começam a fluir melhor, mas claro que sempre vai ter um conflito ou outro mas o importante é ser franco, é falar, a falta de comunicação e compreensão é o problema do mundo e a comunicação e compreensão sincera é a solução de tudo.
 
Em relação aos gastos acho que é o que mais dói, você aprende que gás não é eterno, nem sabão em pó e muito menos margarina, tudo tem preço e você começa a achar que as coisas são bem caras e aí você lembra da sua mãe dizendo pra "não estragar" nada e daí você se sente mãe quando outros amigos chegam na sua casa e não tem noção do preço das coisas, você entende melhor o sentimento das pessoas que lutam pela casa própria porque aluguel também é caro e você começa a se perguntar como é que as pessoas fazem filho porque criar você mesmo já é uma tarefa muito difícil.
 
As tarefas do lar são as que podem gerar mais conflitos na questão da boa convivência, mas preciso registrar um lado bom disso aqui, sabe sua mãe toda hora falando pra arrumar aquilo, fazer num sei o que? Pronto, nessa hora você não vai sentir falta da casa dos seus pais. Mas tem uma hora que você vai sentir e muita, além das coisas serem caras e você ter que pagar por elas, as comidas não se cozinham sozinhas, sim, você vai ter que se virar e em alguns meses você vai se tornar um mestre cuca em cuscuz, brigadeiro e macarrão com salsicha, aos poucos você vai conseguindo sair do nível básico, eu agora tô pretendo ir pro nível avançado, cozinhar feijão, mas ainda não comprei panela de pressão porque ela é cara e eu preciso pagar por ela. Na casa que eu moro não tem muitas regras sobre as tarefas, mas já ouvi por aí modelos interessantes de rodízios, acho que deve ser assim mesmo, mas por enquanto tá de boa, um aponta o dedo na cara do outro pra lembrar o que tem que fazer e vamos sobrevivendo (não é bem assim mas é quase isso, rs).
 
Hoje eu me acho uma pessoa melhor, é quase um casamento que você aprende a não só tolerar, mas respeitar, aprende a dividir e a ser companheiro/a, gosto da liberdade de morar numa casa "sem adultos", gosto de ter sempre visitas diferentes (nem sempre você vai ficar feliz em receber visitas) e gosto de fazer brigadeiro pras pessoas do meu agrado, é uma forma de agradecer a companhia e o carinho da presença, porque sim, você se  torna uma pessoa mais carente.
 
 
 
 
 
 

Comentários

  1. Adorei. Pretendo morar com a BFF quando terminar a faculdade e é muito bom ver a opinião sincera de quem vive essa experiência.
    Tbm gostei muito da frase morar sem adultos.
    Parabéns pelo post...
    Tbm tenho um blog à pouco tempo.
    apxporpalavras.wix.com/apxporpalavras
    Dá uma passadinha lá se for do seu agrado.
    ^^

    ResponderExcluir
  2. Depois de ler e entender as delícias e dificuldades, vou pensar mais 30 vezes nessa vontade que eu tinha/tenho de morar sem adultos. (Pq tbm serei sempre uma adolescente) kkkkkk E, olha, eu quero brigadeiroooo!!

    ResponderExcluir
  3. Este comentário foi removido por um administrador do blog.

    ResponderExcluir
  4. Me identifiquei!!! Tiago tem que ler isso e foca na parte de dividi as tarefas e saber se policia na parte do mau humor!!! Ah eu já sei fazer feijão hahahaahah...

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

a vida finda

Vivo hoje o 7° dia da partida do meu pai dessa vida, perdi a pessoa que mais amava nesse mundo (até minha filha chegar). Foi como se tivessem arrancado um pedaço do meu corpo, dói tanto, morrer dói nos outros. Não importa as circunstâncias, o tempo, a forma, ninguém quer perder quem ama. E ainda que ele vivesse dizendo "eu já posso morrer" se referindo a nossa condição material: ele aposentado, deixaria a pensão pra minha mãe, eu enfermeira concursada, meu irmão engenheiro, uma neta que ele sempre me pediu, ele não podia morrer. Eu não queria perdê-lo por nada nesse mundo.  Na segunda passada, 16 de agosto de 2021 perto das 19h recebo a ligação da minha mãe aos prantos, "beta, acho que teu pai tá morrendo" e eu morri um pouquinho ali também, nunca uma viagem pra Itamaracá foi tão longa, fiz promessas pra Deus e pra Nossa Senhora da Conceição. Mas não tinha mais promessa que desse jeito, meu pai tinha morrido. Partiu de  forma relativamente breve, com alguma angústia

trabalhos e trabalhos

Vi meu pai e ainda vejo minha mãe fazendo trabalho braçal pra pagar as contas. Muitos trabalhos, meu pai serviços de dedetização, sendo dono de bar, vigilante, minha mãe bordando, revendendo avon, fazendo lanches, ofício que cumpre até os dias atuais. Me pego pensando nisso dentro da sala que trabalho com o ar-condicionado em 16 graus, onde passo as manhãs e as tardes realizando consultas de enfermagem na maior parte do tempo sentada fazendo avaliações, orientações, escutas. Refleti sobre esses trabalhos também uma vez quando entrei no elevador do plantão e comentei com a moça dos serviços gerais que eu tava sentindo frio, ela rebateu que "tava era com muito calor". Penso nisso o tempo todo, como um dia desses que vi um homem de manhã carregando sozinho no ônibus duas caixas de morango pra vender ou quando o marido de uma gestante que atendo não consegue se livrar de uma lesão que deve ser causada por fungos que com certeza veio do trabalho dele na Ceasa. Trabalho é trabalho

A mãe solo

A maternidade é um vivência muito individual e particular, cada mulher de acordo com seu contexto financeiro, emocional, social poderá viver esse processo de uma forma. A maternidade é tida socialmente como uma questão (um problema) exclusiva da mulher, costumo falar em encontros feministas que os problemas privados das mulheres não podem ser privados, devem ser públicos e "coletivizados" por que as questões de uma mulher na verdade são as questões das mulheres e assim são porque foram condicionadas historicamente e estruturadas pelo machismo. Considero a maternidade em si solitária, só você é mãe daquela criança, e isso traz uma carga gigante de responsabilidade para a vida das mulheres de todas as ordens, a maioria são condicionadas socialmente, mas nem todas, porque estou falando de um laço de amor e afeto eterno na vida de uma pessoa, e quando planejada ou desejada é realmente de uma indizível emoção. A maternidade é uma experiência maravilhosamente incrível, mas também p