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mulheres submissas não me representam!

Eu sou dessas que chora quando uma amiga engravida, chora em casamento, chora em formatura, eu choro em tudo, chorei até em um casamento evangélico de uma amiga, porque ela era minha amiga e ela estava feliz, fiquei feliz por tabela. As lágrimas caíram entre a emoção do ato e a indignação de ter escutado do pastor alguma coisa do tipo, "agora você deve obediência a seu marido". Respirei fundo e tive que aguentar, eu não tinha nada a ver com aquela situação, a religião e o casamento nesses moldes era um escolha individual dela, não cabia a mim questionar por mais que discordasse de tudo aquilo.
 
No ano de 2013 a vereadora do Recife Michele Collins subiu na tribuna pra criticar casamento gay e embasou seu discurso defendendo a família tradicional e a submissão das mulheres a seus respectivos esposos (leia aqui). Isso já faz mais de dois anos, mas é um debate muito atual e algumas pessoas próximas vem me lembrando este fato e é inevitável criticar a "crítica" da vereadora.
 
Olha, Michele, nós somos de escolas bem diferentes (graças a deus, e acredite, eu acredito muito no mesmo deus que o seu) e eu aprendi que as pessoas devem ser livres pra escolher a forma como elas querem viver, entendi que o afeto entre pessoas não deve seguir padrões normativos e percebi que a evolução em busca do bem-estar individual a partir da luta coletiva é um caminho sem volta (graças a deus), por isso preciso fazer esse registro.

Quando uma mulher representante do povo defende na câmara dos vereadores e vereadoras que "o fato de uma mulher estar na tribuna não muda o fato de ela ser submissa ao marido. Também está errada a mulher que, após conquistar seu direito e seu espaço, ela deixa de ser submissa ao homem. O homem está sim acima da mulher", ela tenta impor sua visão religiosa em um espaço que tem que ter como diretriz fundamental: seu caráter laico. Precisamos fazer o enfrentamento.

A gente não pode aceitar que o debate dos casamentos homossexuais, da legalização do aborto e tantos outros sejam impedidos de avançar por conta do viés religioso, por conta das concepções religiosas dos parlamentares. A religião é uma escolha individual assim como escolher casar com alguém do mesmo sexo ou não ter um filho, e ela não pode e não deve interferir na vida do outro, o que deve existir é o respeito mútuo entre todos nós.

O Brasil é um estado laico (Estado laico significa um país ou nação com uma posição neutra no campo religioso. Também conhecido como Estado secular, o Estado laico tem como princípio a imparcialidade em assuntos religiosos, não apoiando ou discriminando nenhuma religião) e as políticas públicas e sociais devem estar livres de qualquer concepção religiosa para que sejam garantidos de forma democrática os direitos sociais e humanos das pessoas que podem ter uma religião ou não.
 
O enfrentamento é justo e necessário porque na prática não é assim que acontece, as bancadas religiosas nas casas do povo sejam municipais, estaduais ou federais estão organizadas pra defender seus interesses. A política deve se dar pelo entendimento de uma sociedade livre, plural, diversa e heterogênea e poderia problematizar aqui sobre várias questões em relação a influência da religião na política, mas quero me ater a refletir um pouco como isso interfere na vida das mulheres.
 
Existe uma construção cultural histórica da nossa sociedade que nos desnivela dos homens, começa em casa quando eu devo lavar os pratos e varrer a casa e meu irmão não pode fazer isso, quando ele pode sair com amigos e voltar mais tarde e eu não posso. Depois quando estou empregada e no mesmo setor que eu os homens recebem mais e termina quando sou morta pelo meu companheiro ou qualquer homem que ache que tenha direito sobre mim e se sente meu dono (submissa ao marido como disse a vereadora).
 
Sendo bem direta e objetiva é essa estrutura arcaica que é responsável por de fato fazer com que mulheres tenham desvantagens em relação aos homens, mas nada que não possamos descontruir e combater! E o meu resumo não diminui os problemas que quis enfatizar nessas linhas, é muito grave essa construção que nos torna refém de uma sociedade machista, preconceituosa e excludente e é muito séria a necessidade de descontruir para que juntas possamos estar vivas, felizes e livres.
 
A religião deve estar dissociada das decisões e dos discursos políticos (eu por exemplo não faria um aborto, mas defendo a legalização pra que as mulheres tenham o direito de escolher), a gente vive uma ascensão efervescente da luta das mulheres hetero, lésbicas, trans, assim como dos homens, das negras e negros, nós hoje temos mais condições objetivas de travar essa luta e não são discursos conservadores e retrógrados que vão impedir que avancemos. Portanto, Michele e mulheres evangélicas representantes do povo, eu entendo vocês mas não concordo, preciso enfrentá-las, vocês não me representam e não podem me representar!

 
 
 
 
 

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