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uma crônica para piolho

Se Miró ainda tivesse vivo, adoraria encontrá-lo para dizer que é verdade que "janela é danada pra botar a gente pra pensar", mas que tem outra coisa que faz a gente pensar demasiadamente sobre tudo: a danada da morte. Hoje completa 10 anos que Eduardo Campos morreu de forma trágica, um homem público, defensor dos direitos do povo, bom gestor e bom político, sua memória resgata em nós o legado deixado, João Campos por exemplo é o seu legado vivo e em ação. O povo pernambucano nunca irá esquecê-lo, nunca vamos esquecer de 13 de agosto de 2014 quando a notícia ruim correu o Brasil como rastro de pólvora e nos enlutou imediata e profundamente. Grande perda, comemoremos sempre sua vida e seu legado. 

E hoje também tomei conhecimento da morte de outra pessoa por quem nutria algum ou muito afeto, "Piolho", um dos flanelinhas aqui da minha rua. Estou profundamente triste. Isso não aconteceu hoje, parece que já faz semanas e me perguntei "como ninguém me falou sobre isso?" e "como não percebi a ausência dele?". Piolho que tinha nome de registro Daniel, era uma figura. E quando a morte chega assim de repente, ela faz a gente pensar tantas coisas. Pensar e lembrar.

Conheci Piolho quando vim morar na Encruzilhada há mais de 7 anos, meu ex-companheiro brincava que ele era "meu segundo filho", porque ou ele me pedia alguma comida ou sempre que sobrava alguma coisa já deixava separada pra ele. Piolho bebia muita cana (cachaça, aguardente), muitas vezes estava embriagado, mas sempre tranquilo e sociável. Uma dessas vezes que ele estava assim me chamou aqui na janela e me confiou de guardar um saco com muitas moedas, eu tinha certeza que ele nem sabia o que tava fazendo, mas deixou comigo e foi embora. Uns dois dias depois quando o vi por aqui perguntei se ele lembrava que tinha deixado um negócio comigo, lembrava era de nada, eu ri e devolvi. 

Piolho era realmente uma figura. Aqui na rua sempre tem um fluxo grande de carros por conta dos restaurantes próximos e vaga de carro dependendo da hora é difícil achar e o que acontecia muitas vezes quando eu chegava fora do meu horário habitual de chegar em casa, que iria colocar meu carro na garagem era encontrar um carro na frente, eu ficava endemoniada até descobrir que Piolho dizia algo do tipo "pode estacionar aí". 

E tivemos vários episódios assim e em alguns ele jurava de pé junto que não tinha dito nada, que teria até avisado pra não estacionar (eu nunca acreditei no pobre), outras duas vezes eu até rua fechei e mandei ele achar o dono do carro que tinha estacionado na minha garagem senão eu não sairia por nada do meio da rua, depois de muita confusão acho que Piolho parou de usar a vaga da frente da minha garagem, a prova disso é que uma vez uma prima tava chegando aqui em casa e pedi pra ela deixar o carro dela na frente da minha garagem, ela disse que quando estacionou "um flanelinha" alertou "deixa o carro aí não, cuidado, a menina dessa garagem é doida". 

Não quero que Loreta saiba da morte dele, acho que qualquer sofrimento que podemos evitar nas crianças, devemos fazê-lo. Ela mal sabia falar ainda, mas daqui da janela com vista pra rua chamava por ele pra dar tchau e quando descobriu que o nome dele era Daniel então sempre me corrigia, "mãe, o nome dele é Daniel". A última lembrança que guardo dele foi de um dia desses quando ele me disse que estava perto de aniversariar, me mostrou o RG e tudo pra provar e me pediu um presente, fiquei pensando muito o que dar e no final não dei nada, confesso que hoje me arrependi de não ter atendido ao pedido dele. 

Como disse, a danada da morte bota a gente pra lembrar de coisas, memórias, etc, mas também pensar o que fazemos com essas coisas depois do fim e quando ainda sobramos por aqui. 

Há 10 anos chorava pela morte de um homem público que provavelmente sempre será lembrado até se perder de vista no tempo e hoje choro por Piolho que nem lembraram de me falar que ele morreu.

Piolho, deixo essa crônica de presente pra lembrar pra sempre de você. 

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