Pular para o conteúdo principal

à manauara Gabi Cativo


 É até difícil organizar as palavras pra descrever tanta coisa que venho sentindo. É que os dias tem se tornado cada dia mais duros e pesados, como no início de abril do ano passado, nenhum de nós imaginávamos que poderíamos estar vivendo uma situação como essa, como disse uma colega (que perdeu a filha recentemente), parece um pesadelo, ou talvez como o inferno quem sabe. Sempre fui uma pessoa extremamente fragilizada emocionalmente, sinto muito por tudo e qualquer coisa, e o ofício de enfermeira em plena pandemia me enlouquece e me fortalece na mesma medida.

Eu gosto de me comunicar com as pessoas não por obrigação, mas por livre e espontânea vontade, acontece que na maioria das vezes na visita aos pacientes, me faltam palavras, eu realmente não sei o que dizer ao senhor de 90 anos que no dia 31  de dezembro está sozinho num leito de hospital e que me diz que está sofrendo, ou ao outro senhor do leito vizinho que acabou de perder a esposa, ou a senhora que está com o filho entubado na UTI, ou a minha camarada que perdeu a sua menina de 30 anos, todos por covid , eu não sei o que dizer a eles, qual palavra vai doer menos, ou vai ser menos indiferente a situação que estão.

É desesperador. É revoltante. É doloroso. Como se não bastasse tudo isso, inacreditavelmente, muito mais inacreditável que o surgimento do vírus, testemunhamos a inoperância, incapacidade e crueldade de um chefe de Estado na presidência da república que agrava ainda mais a maior crise sanitária/social e humanitária da nossa sociedade: "não tem vacina, não tem seringa, não tem governo". E como se não bastasse ele por si só, ainda temos que conviver com uma legião de súditos acéfalos ou apenas ignorantes ou então de fato maus caracteres, que alheios, insensíveis aos acontecimentos, ou não sei mais o que pode ser, defendem e fazem campanha contra a imunização coletiva da população diante de mais de 200.000 mortes. Não é mesmo inacreditável?

É claramente (pra mim) inacreditável, e acima de tudo criminoso, talvez essas pessoas não tenham perdido familiares e amigos próximos, não tenham se contaminado ao ponto de ter medo de morrer, ou não sei, eu sinceramente não sei o que passa na cabeça dessas pessoas. E fica difícil (está tudo muito difícil) responsabilizar essa parcela da população, quando temos órgãos do governo federal que disseminam informações falsas ou um presidente da república que não tem nenhuma capacidade intelectual e humana de garantir aos brasileiros e brasileiras o acesso básico as informações verídicas que a ciência tem trazido sobre a pandemia.

Pra mim é óbvio, devemos ir pra disputa, apontar a realidade pra essas pessoas e pras outras que pensam em se negar a vacinar-se, a imunidade da população só é possível através da vacina e coletivamente, a vacina não é pra todo mundo: serão pra pessoas maiores de 18 anos e em grupos específicos de risco, como diabetes, obesidade, idosos, etc, então todos esses grupos devem alcançar um percentual elevado de cobertura. Eu nem acredito que temos necessidade disso, mas temos que convencer as pessoas da necessidade da vacinação, além de reforçar sobre as medidas de proteção como o uso de máscaras, higienização das mãos e o distanciamento.

Saber do número de mortes diárias no nosso país, dói muito, mas com certeza dói mais quando deixa de ser um número e se tornam pessoas queridas que você gosta, Gabi se foi na última sexta-feira vítima de covid, notícia inacreditável, Gabi devia estar nos seus trinta e pouquinhos, eu gostava muito dela, morava em Manaus, nos conhecemos em Recife quando construíamos a bienal da une em 2013, de lá pra cá seguimos conectadas através das redes sociais, vez ou outra interagíamos, conversávamos, eu ainda estou muito chocada com a partida dela. Gabi em suas redes incansavelmente protestava contra o descaso do governo federal e estadual por lá, assim como defendia o isolamento social, seguindo o fio do seu twitter, vi que se contaminou cuidando dos parentes próximos, os quais não tenho notícias, ela não teve culpa, ela era consciente dos cuidados e de tudo mais. 

Ai Gabi, fico realmente sem palavras, descanse em paz, camarada.







Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

o cronômetro da mãe solo

22:30 e ainda estou lendo agenda escolar (eu achava que hoje daria pra terminar a leitura daquele livro que eu queria tanto, mas hoje mais uma vez não deu, tento desde o ano passado), nela encontro além dos 10 trabalhos de casa para serem entregues nos próximos dias, mais uma demanda que precisa ser cumprida sob pena de eu ser condenada como uma mãe descuidada, afinal é só uma guloseima pra comprar e entregar na escola, coisa super simples. 22:30 e desde 05:30 não paro de cronometrar o tempo (assim como todos os dias), até 06:30 eu e todas as bolsas precisam estar prontas, mas nunca estão (são pelo menos 5 bolsas que precisam ser checadas todos os dias antes de sair, com vestimentas, refeições, acessórios, materiais de trabalho), 06:30 é hora acordar a princesa para ela estar pronta até 07:00 e ela nunca está, a meta é sempre sair pelo menos 07:15 e incrivelmente tem dias que eu consigo. No trabalho avalanche de demandas, mato todas no peito, sei fazer tudo, sou boa em fazer tudo que f...

meus oito anos

       Tenho impressão que me lembro de quase tudo que aconteceu na minha vida dos meus 08 anos de idade pra cá e com muita certeza não me lembro de tanto, mas guardo algumas memórias pontuais do que vivi antes dessa idade, não sei se por que com 08 anos eu tive minha primeira mudança de cidade, de escola, de amigos e isso me fez "acordar pra vida", ou se realmente foi a idade, não sei se na verdade esse marco tem a ver com o poema de Casimiro de Abreu, lembro como se fosse ontem de quase tudo que aconteceu na minha vida depois dos 08, inclusive eu recitando tal poema para os meus pais (ainda lembro dos rostos deles achando graça e do som do riso do meu pai): "Oh! que saudades que tenho Da aurora da minha vida, Da minha infância querida Que os anos não trazem mais! Que amor, que sonhos, que flores, Naquelas tardes fagueiras À sombra das bananeiras, Debaixo dos laranjais!"      E tenho a impressão também que com 08 anos eu achava que sabia de tudo (eu s...

de encomenda

Tava pensando hoje que se eu pudesse "encomendar" alguém como a gente faz nos aplicativos de compras com opções de personalizar pedidos, incluir preferências, remover desagrados, o produto final seria você, exatamente assim, um combo perfeito com imperfeições de tudo que eu gosto, de tudo que me atrai, de tudo que eu quero ter por perto e sempre quis.  Se tu não existisse e se pudesse, eu te encomendaria com toda certeza do mundo: com teus olhos bonitos e penetrantes, teu riso e tua risada, tua voz, tua presença dominadora, tuas ideias, tuas memórias, teus sonhos, tuas fantasias, teu compromisso, teu cuidado, tua disposição pra viver, tua doçura, tua inteligência, tua sabedoria, tua disponibilidade, tua safadeza, tu.  E sem encomendar, planejar ou calcular, tu chegou, chegou em um pacote grande, transparente e fácil de abrir, sem arrodeio, virou presente e presença potente e permanente, presença que dá sentido, que sintoniza, que alegra, que cuida, que desmonta. Presente que ...