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O SISTEMA, A PAZ E O INFERNO!














Tudo tem um motivo de ser, nada acontece por acaso, as histórias de vida não se constroem isoladamente, tudo está estreitamente relacionado, acredita? Além de Itamaracá, “eu tenho” outra praia, Carne de Vaca - CDV, uma praia de Goiana, vizinha a Ponta de Pedras. A paz mora naquele lugar quando não é tempo de festa, só é ficar em silêncio alguns instantes que dá pra ouvir o eco dos próprios pensamentos! Os nativos têm pouquíssimas oportunidades de ingressarem num ensino superior e até de ter um trabalho de carteira assinada, apesar do grande desenvolvimento de Goiana, é como se CDV fosse outro município. 
Mas o que eu acho mais bonito naquele povo e tenho que salientar que infelizmente, ou não, não são todos, é que eles são felizes. É tanta dificuldade, tanto trabalho braçal como a pesca, cuidar da casa de veranistas, trabalhar em bar e comércio e SÓ, mas mesmo assim quando eu vou pra lá o que vejo são pessoas que se divertem tanto com coisas simples do dia dia que eu aqui na correria de cidade grande nem dou atenção. E assim eles vivem seus dias, meses e anos. Eu apareço em CDV numa frequência de uma vez no ano, e toda vez é quase a mesma coisa, a mesma simplicidade, a mesma paz, a mesma alegria. As consequências do tráfico ainda são relativamente “insignificantes” pelo que observo, por que como é “de lei”, elas existem em todos os lugares. 
E daí me pergunto, por que meu Deus aquelas pessoas não se preocupam em sair de lá, estudar, trabalhar? Acho o seguinte, primeiro, elas não têm condição nenhuma pra isso e então com raízes bem firmes que elas criaram eu também avalio que não é com sentimento de “comodismo”, mas sentimento de “isso aqui basta pra viver”, que são bem diferentes e fazem elas viverem ali, assim, pra sempre. É, eu sou romântica, imagina se em todos os lugares fossem assim? E se todas as pessoas fossem como a maioria do povo de CDV? Quem foi que inventou que tinha que ser diferente? 
Então, lembro de outras realidades que também conheço muito bem. Ainda nessa semana recebi a notícia que um colega (vou chamá-lo de Renato) depois de quatro anos saiu do regime fechado do presídio de Igarassu e foi condenado por tráfico, passou tanta coisa na minha cabeça, eu sabia que o tempo tava passando enquanto ele tava preso e eu e todo mundo que convivia com ele tava aqui fora, vivendo, mas saber que depois de quatro longos anos ele tá nas ruas de novo me fez pensar muito. Andar de ônibus, ir ao mercado, assistir tv numa sala e deitado no sofá, sabe aquela frase, liberdade é uma palavra que não tem quem explique e não há ninguém que não entenda? É isso, e mais que isso, relembrei a última vez que eu tinha conversado com ele antes de ser preso, eu era 3º ano do ensino médio, depois fiz um ano de cursinho e estou cursando o 3º ano na faculdade, além disso, eu passei por muitas outras coisas, cresci muito, construí demais, E ELE? 
Na verdade, Renato construiu sim, ele e uma amiga vão ter um filho por esses dias que em minha opinião em muitos casos é coisa de Deus independente de muitas circunstâncias como é o caso deles, mas acontece que eles não são de CDV, aqui a realidade é totalmente diferente. As pessoas aqui, me refiro a região metropolitana, precisam estudar e trabalhar, não é como em CDV que o pouco é suficiente e que o trabalho “tá na mão” literalmente, quem não consegue trabalhar e se manter aqui passa por dificuldades financeiras de fazer enlouquecer. Enfim, Renato quando estiver livre de vez da prisão vai ter que recomeçar de onde parou e com uma família, “RECUPERAR O TEMPO PERDIDO, ser respeitado sem ser chamado de ex-presidiário”, como diz a letra de uma música de Racionais, e então entra no assunto a foto que escolhi! O sistema capitalista, esse sistema nojento que a gente vive é uma merda! 
Vamos fazer algumas avaliações, Renato antes de ser preso tinha a idade (X-4) e naquele tempo ele não tinha acesso a uma educação digna que o fizesse “pensar” e querer estudar e trabalhar, e a nossa sociedade EXCLUI essas pessoas e pra elas só sobram trabalhos exploradores, mas aí existem as RUAS que oferecem um trabalho muito simples, que só precisa de alguém que se disponha a “mostrar a cara”, funciona assim, tu vai pra uma esquina com várias pedras de crack no bolso, os viciados te procuram, tu vende o que o dinheiro do viciado puder pagar e durante um dia são vários viciados, e daí uma parcela desse dinheiro é teu a outra parcela maior vai cair na mão de quem nem se coçou pra ir na esquina vender a droga. Quando a polícia pegar quem vai preso? Isso não é regra, dei um exemplo bem inocente. E nem to dizendo que foi exatamente assim que aconteceu com meu colega. Nem lembro da história direito. 
Mas entendam a crítica, Renato foi preso há quatro anos, com certeza o “patrão” não foi, Renato foi substituído por outro funcionário, que deve ter sido preso também e assim sucessivamente. Por que os funcionários para essa grande firma não param de chegar mesmo vendo o destino dos anteriores? Respondo, é mais fácil de ganhar dinheiro assim ao invés de trabalhar pesado e ganhar uma miséria no fim do mês e aí tu vê tua mãe cheia de conta pra pagar, teus amigos comprando roupa de marca, as paqueras querendo ganhar presente e quem vai pensar em ser preso e cair dentro de um inferno que é o presídio? 
A juventude não pensa nisso, lembro até da aula de psicologia quando o professor disse que os adolescentes têm uma coisa que é mais ou menos como se o futuro não existisse, apenas o tempo presente! E né isso mesmo? Voltando a Renato, ao capitalismo e tentando discutir um pouco com minha humilde e vaga opinião sobe o sistema penitenciário, tento raciocinar, se antes ele se via sem chances e recorreu a um meio alternativo de ganhar dinheiro, me digam o que aconteceu com ele esse quatro anos? O que foi construído de concreto, além da família? Acho que nada. Ainda não tive a chance de encontrar com ele, mas fiquei sabendo que ele não quer mais o tal dinheiro fácil não, um milagre sabiam? 
Lá dentro “o bagulho é doido” neguinho entra ruim e sai muito pior e quem consegue conquistar espaço de “rei” naquele inferno, sai de lá e quando volta, volta “de boa”, estar preso não elimina as possibilidades de alimentar a rede do tráfico, existem os “funcionários” ativos que continuam fora e que obedecem total, existem as mulheres e as mães desses caras que precisam continuar o trabalho deles ou morrem, e talvez seja um dos motivos de ver algumas mulheres nesse meio e existe também as trocas e vendas entre os presos mesmo, eles constroem lá dentro uma hierarquia que pode trazer consequências horríveis e assim segue esse ciclo vicioso. E aí? 
Lembro que no primeiro período li umas fichas de sociologia que diziam que quando um cidadão infringe as regras da sociedade como punição ele vai ser retirado da mesma para que esse afastamento sirva pra que ele se ressocialize e volte de onde saiu e eu acho que isso é muito bonito, mas onde existe? Na prática é lenda urbana! Os detentos têm mil possibilidades de continuarem criminosos, mas nenhuma de estudar, se qualificar pra quando saírem ganhar a vida dignamente. Ficam lá, mais marginalizados socialmente do que antes de entrar e quando voltam às ruas e querem reconstruir suas vidas são rotulados sempre como ex-presidiários! E agora como vai ser pra Renato não mais na idade de (X-4) pra trabalhar e manter a família nova? 
Tenho até medo de como vai ser a forma que a fábrica da FIAT vai chegar a Goiana, espero que o povo de CDV continue em CDV pescando, cuidando das casas e felizes por isso e quando eu apareça lá, sempre encontre aquela paz. Por conhecer tantas realidades excludentes eu me agarro com o sonho de um sistema diferente! Além do sonho a vontade de lutar, fazendo a diferença como posso, escrevendo esse texto, por exemplo, e fazer alguma pessoa que nem pense nisso refletir um pouco. Voltando ao som de Racionais que me inspirou a escrever... “Às vezes eu acho, que todo preto como eu, só quer um terreno no mato, só seu. Sem luxo, descalço, nadar num riacho, sem fome pegando as fruta no cacho. Aí truta, é o que eu acho, quero também, mas em São Paulo, Deus é uma nota de 100, VIDALOKA”

Saudações Socialistas!


04 de março de 2012

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