Vinícius de Moraes em uma crônica de homenagem a seu pai
disse que “quem nunca teve um pai que ronca não sabe o que é ter pai”, eu não
sei em que momento da vida eu entendi o que era ter pai, mas desde que me
entendo por gente sei que o ronco que ouvia do quarto ao lado era dele. Meu pai, que não é novo nem velho, mas já viveu dois infartos pra contar
história, sempre precisou cuidar da saúde, por mim e pelo meu irmão ele já se
dedicou diversas vezes, mas já desistiu também pela justificativa de que a vida
precisa ser vivida e eu embora concorde, queria que ele se cuidasse também,
pelo menos o suficiente pra que não tenha mais nenhum infarto e que nada de mal
lhe aconteça e que viva pelo menos uns 200 anos, bom, em uma dessas
necessidades de muito cuidado, nada era mais angustiante do que passar na porta
do quarto e não conseguir ouvir o ronco dele, eu ficava na porta, pregava a
orelha e até prendia a respiração, só saia de lá e conseguia respirar de novo
quando ouvia o confortante ronco. O ronco do meu pai sempre foi sinônimo de
presença, conforto e proteção.
Não li
nenhuma crônica de Vinícius falando de sua mãe, não que eu me lembre, fico até
com medo de escrever isso e ele já ter escrito antes e eu querer ter inventado,
deus me livre querer roubar pra quem me lê agora a autoria de alguma coisa que
tenha sido criado pelo poetinha, mas acredito que quem nunca teve mãe que reza
não sabe o que é ter mãe, com certeza entendi o que era ter mãe antes de saber
o que era ter pai, mas também desde que me entendo por gente escuto uma reza
meio cochichada do quarto ao lado, minha mãe sempre rezou com força, nem tão
baixo que não conseguisse ouvir, nem tão alto que desse pra entender o que ela
falava com deus, acho que era sobre a gente, meu pai, meu irmão, eu, ela talvez
bem menos e isso eu entendi ano passado, minha mãe sempre me ensinou a falar
com deus antes de dormir, mas por preguiça, descrença ou qualquer outra coisa,
tinha deixado de lado essa conexão, mas não é que depois que engravidei eu
voltei a rezar? Não como minha mãe, do meu jeito claro, mas pedi a deus pra que
meu bebê crescesse bem e agora depois de nascida e saudável, embora não assuma o
compromisso do diálogo diário em um aperto ou outro eu peço licença pra deus ou
seus mensageiros pra que possam me ouvir um pouquinho e se der me atender
também, vai que eu tenho uns créditos por causa das rezas da minha mãe.
Tenho
saudade de ouvir o ronco do meu pai e a reza da minha mãe. Mesmo eu não estando
lá, sei que ele continua roncando, sei que ela continua rezando e um dia desses
acordei de madrugada chorando de saudades, foi que finalmente cai em mim que nunca
mais vou ter aquela convivência de outrora com eles, nunca mais dói tanto, mas
estou certa que esse veredito está correto, não, nunca mais vou conviver com
eles como antigamente, assim como eles deixaram de conviver com seus pais em
algum momento da vida, mas sabe o que me encabula? Eu nunca escolhi isso, nunca
escolhi conscientemente me separar deles, eu fui indo aos poucos graças (e sei
bem disso) à corda que eles me davam, eles me deixaram ir também e eu só fui,
mas também sei que eles tão lá como antigamente ainda, pra o que for. Eu sinto
saudades, só queria que eles soubessem disso, não me atrevo a pronunciar, sou
covarde pra isso, me desmancharia toda que nem bebê, que nem meu bebê. Amo
vocês, obrigada por tudo.
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