Eu acho a memória a coisa mais preciosa que a gente tem, depois da vida em si, a memória do que já foi vivido, sentido, doído vale muito. Eu sempre tive uma boa memória, tão boa que às vezes acho que passo até vergonha, como encontrar uma pessoa 15 anos após ter visto pela última vez e cumprimentar como se fosse ontem, acho que já assustei algumas pessoas. Às vezes do nada me vem memória de imagens, sensações, momentos, como se pudesse ver passando na frente dos meus olhos. É bom, às vezes bate uma melancolia, às vezes saudade, mas é a vida vivida.
É bom lembrar por exemplo da casa da minha avó materna em Itamaracá, de todos os detalhes, era uma casa simples, metade de tijolos, metade de "taipa", com telhas, tinham gaiolas espalhadas pelo teto, não lembro muito bem de tudo, mas guardo com carinho memórias da cadeira de balanço da sala, do rádio que ficava do lado esquerdo do corredor que meu avô anotava o resultado do jogo do bicho, lembro da voz que anunciava o resultado como se fosse hoje, na cozinha lembro da parte de baixo da pia, lá em época como essa, sempre tinha muitas mangas atrás da cortininha.
Mas a maior lembrança é do quintal, parque de diversão pra mim, tinha entulho, tinha um poço, pé de manga e de jambo rosa, um tanque de cimento, do lado esquerdo da porta da cozinha que dava acesso ao quintal tinha um lixo e perto tinha os potinhos de comida dos gatos, tinha muitos gatos lá também. Essas memórias ativam sentimentos de amor em mim, Iemanjá por exemplo é familiar pra mim por causa de lá, sempre que acordava tinha um quadro na minha frente com a imagem dela. E se sair da casa, posso também lembrar dos meus avós (Zé Guedes e Lourinha) sentados na calçada à noite, na companhia muitas vezes de Zé Quito.
Até hoje gosto de coxinha com guaraná antártica porque lembro de fazer esse lanche quando chegava lá de viagem, a coxinha tinha a casca bem durinha, o recheio era farto, vinha enrolada naqueles papéis marrons, que não sei especificar o tipo, e o refrigerante era de KS com canudinho, comprados na padaria de Ivan.
Memórias podem ser prisões, mas também podem ser um lugar seguro e feliz no espaço-tempo que oferece conforto e paz. Proteja as suas.
Vivo hoje o 7° dia da partida do meu pai dessa vida, perdi a pessoa que mais amava nesse mundo (até minha filha chegar). Foi como se tivessem arrancado um pedaço do meu corpo, dói tanto, morrer dói nos outros. Não importa as circunstâncias, o tempo, a forma, ninguém quer perder quem ama. E ainda que ele vivesse dizendo "eu já posso morrer" se referindo a nossa condição material: ele aposentado, deixaria a pensão pra minha mãe, eu enfermeira concursada, meu irmão engenheiro, uma neta que ele sempre me pediu, ele não podia morrer. Eu não queria perdê-lo por nada nesse mundo. Na segunda passada, 16 de agosto de 2021 perto das 19h recebo a ligação da minha mãe aos prantos, "beta, acho que teu pai tá morrendo" e eu morri um pouquinho ali também, nunca uma viagem pra Itamaracá foi tão longa, fiz promessas pra Deus e pra Nossa Senhora da Conceição. Mas não tinha mais promessa que desse jeito, meu pai tinha morrido. Partiu de forma relativamente breve, com alguma angústia
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