Pular para o conteúdo principal

A mãe solo

A maternidade é um vivência muito individual e particular, cada mulher de acordo com seu contexto financeiro, emocional, social poderá viver esse processo de uma forma. A maternidade é tida socialmente como uma questão (um problema) exclusiva da mulher, costumo falar em encontros feministas que os problemas privados das mulheres não podem ser privados, devem ser públicos e "coletivizados" por que as questões de uma mulher na verdade são as questões das mulheres e assim são porque foram condicionadas historicamente e estruturadas pelo machismo.

Considero a maternidade em si solitária, só você é mãe daquela criança, e isso traz uma carga gigante de responsabilidade para a vida das mulheres de todas as ordens, a maioria são condicionadas socialmente, mas nem todas, porque estou falando de um laço de amor e afeto eterno na vida de uma pessoa, e quando planejada ou desejada é realmente de uma indizível emoção. A maternidade é uma experiência maravilhosamente incrível, mas também pode colocar a mulher num lugar terrível de solidão, de culpa e de anulação, de forma inconsciente você vai sendo levada e buscando esses lugares, não podemos permitir isso.

Sou mãe faz 05 anos, há alguns poucos meses vivencio a experiência da "maternidade solo" e precisava registrar o que nesse curto período de tempo pude sentir e viver com toda dificuldade, dureza e cansaço que a minha realidade possibilita. Mãe solo é a expressão que se usa pra fazer referência às mulheres que como já diz o nome, são mães que tem a responsabilidade de sozinhas cuidar de suas crias. 

A questão central para essa realidade e precisa estar clara entre nós é que ela foi condicionada e naturalizada pelo machismo estruturado na nossa sociedade, independente do motivo ou da causa do segundo responsável não compartilhar igualmente dessa responsabilidade conjunta. A maternidade solo é a maior expressão do machismo em relação à condição da mulher como mãe. O machismo dá as mulheres de forma natural o papel de responsáveis oficiais pelos filhos, nos obrigada a sermos as principais cuidadoras, existe um consenso que devemos cuidar na doença, na higiene, na alimentação, no ensino escolar, no lazer, em absolutamente tudo objetivamente, e subjetivamente faz com que nós mulheres sintamos todo o peso como de fato uma responsabilidade nossa. 

O machismo é realmente cruel com as mulheres.

Uma mãe que cuida sozinha das crias assume diariamente demandas que exigem exclusivamente dela dedicação, paciência, saúde física e mental, disponibilidade de tempo, condições para trabalhar. É uma realidade dura, difícil, solitária e exaustiva. Não podemos adoecer, precisamos trabalhar, precisamos cuidar das crias, não podemos ter momentos de lazer individual. É então quando a gente tem certeza que a mãe solo não pode ser sozinha, senão não consegue dar conta. Na minha experiência duas coisas são fundamentais: rede de apoio e planejamento de cada segundo do dia.

Toda mãe solo ou não, entende a necessidade e importância de uma rede de apoio para poder exercer a maternidade de forma saudável, porque a maternidade em conjunto com as demais responsabilidades que a mulher independente de ser mãe carrega pode nos adoecer. Então quando se está sendo mãe solo, a rede é não só de apoio é também de sobrevivência, para que você possa trabalhar, se divertir, adoecer, viver e estar saudável para cuidar da sua cria com todo o cuidado que ela precisa.

Se antes eu já sentia necessidade de planejamento e controle da rotina, agora então tornou-se um meio de sobrevivência para dar conta de tudo, hora de trabalhar é hora de trabalhar, hora de dar atenção a cria é hora de dar atenção a cria, hora de jogar tudo pro alto é hora de jogar tudo pro alto. E assim a gente vai com coragem seguindo em frente.

Confesso que os dias não tem sido fáceis, mas agradeço aos apoios providenciais através de pessoas especiais que tem nos amparado, sem elas eu não daria conta, um apoio predominantemente feminino. 

Nós mulheres somos realmente (sem romantização nenhuma da opressão de gênero que a gente sofre) um poço de força e resiliência e as mulheres que apoiam outras mulheres são sem dúvidas um alicerce que transformam toda dureza dessa realidade em novas perspectivas, principalmente a de não só sobreviver, mas a de viver livremente. 

Seja apoio de uma mulher, peça apoio a outra mulher. É nós por nós, sempre.    

Comentários

  1. Querida Melka, grande texto. Fui mãe solo de duas crias , com pouca rede de apoio, e sei o quão difícil é esta trajetória. Passei por várias das questões levantadas por ti. Hoje busco ser rede e apoio para outras mulheres. Um cheiro

    ResponderExcluir
  2. Nenhum de nós é melhor do que todos nós juntos.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

o cronômetro da mãe solo

22:30 e ainda estou lendo agenda escolar (eu achava que hoje daria pra terminar a leitura daquele livro que eu queria tanto, mas hoje mais uma vez não deu, tento desde o ano passado), nela encontro além dos 10 trabalhos de casa para serem entregues nos próximos dias, mais uma demanda que precisa ser cumprida sob pena de eu ser condenada como uma mãe descuidada, afinal é só uma guloseima pra comprar e entregar na escola, coisa super simples. 22:30 e desde 05:30 não paro de cronometrar o tempo (assim como todos os dias), até 06:30 eu e todas as bolsas precisam estar prontas, mas nunca estão (são pelo menos 5 bolsas que precisam ser checadas todos os dias antes de sair, com vestimentas, refeições, acessórios, materiais de trabalho), 06:30 é hora acordar a princesa para ela estar pronta até 07:00 e ela nunca está, a meta é sempre sair pelo menos 07:15 e incrivelmente tem dias que eu consigo. No trabalho avalanche de demandas, mato todas no peito, sei fazer tudo, sou boa em fazer tudo que f...

uma crônica para piolho

Se Miró ainda tivesse vivo, adoraria encontrá-lo para dizer que é verdade que "janela é danada pra botar a gente pra pensar", mas que tem outra coisa que faz a gente pensar demasiadamente sobre tudo: a danada da morte. Hoje completa 10 anos que Eduardo Campos morreu de forma trágica, um homem público, defensor dos direitos do povo, bom gestor e bom político, sua memória resgata em nós o legado deixado, João Campos por exemplo é o seu legado vivo e em ação. O povo pernambucano nunca irá esquecê-lo, nunca vamos esquecer de 13 de agosto de 2014 quando a notícia ruim correu o Brasil como rastro de pólvora e nos enlutou imediata e profundamente. Grande perda, comemoremos sempre sua vida e seu legado.  E hoje também tomei conhecimento da morte de outra pessoa por quem nutria algum ou muito afeto, "Piolho", um dos flanelinhas aqui da minha rua. Estou profundamente triste. Isso não aconteceu hoje, parece que já faz semanas e me perguntei "como ninguém me falou sobre is...

meus oito anos

       Tenho impressão que me lembro de quase tudo que aconteceu na minha vida dos meus 08 anos de idade pra cá e com muita certeza não me lembro de tanto, mas guardo algumas memórias pontuais do que vivi antes dessa idade, não sei se por que com 08 anos eu tive minha primeira mudança de cidade, de escola, de amigos e isso me fez "acordar pra vida", ou se realmente foi a idade, não sei se na verdade esse marco tem a ver com o poema de Casimiro de Abreu, lembro como se fosse ontem de quase tudo que aconteceu na minha vida depois dos 08, inclusive eu recitando tal poema para os meus pais (ainda lembro dos rostos deles achando graça e do som do riso do meu pai): "Oh! que saudades que tenho Da aurora da minha vida, Da minha infância querida Que os anos não trazem mais! Que amor, que sonhos, que flores, Naquelas tardes fagueiras À sombra das bananeiras, Debaixo dos laranjais!"      E tenho a impressão também que com 08 anos eu achava que sabia de tudo (eu s...