Pular para o conteúdo principal

o alento da música

Um dia desses no plantão noturno, começou na televisão o documentário que conta sobre a trajetória de Chico Science, fiquei tão energizada no momento que esqueci onde eu tava por minutos seguidos até ouvir o chamado constante e necessário "enfermeira". Ouvir música te transporta pra outro nível de consciência, transcende, vai além. A música faz a alma da gente vibrar. Enquanto assistia o documentário, lembrei do tempo que estagiava com frequência em hospitais e me perguntava por que não teria equipamentos de som ali, por que não tem música nos hospitais públicos?

Sempre ficava pensando sobre isso, de como iria ajudar as pessoas internadas a manterem a mente com alguma sanidade, como poderia trazer instantes de prazer, alegria, ou reflexão, paz, sei lá, a música não tem limites. Então voltei a pensar, imaginar, se agora, em tempos de solidão que a pandemia do novo coronavírus traz aos que mais precisam, aos enfermos e enfermas que precisam de internamento, apesar de todas as debilidades físicas e emocionais, se caso tivesse música em alguns horários do dia, se não seria ao menos um alento.

Imagina, chegar pra admissão e ser perguntada sobre alergias e músicas preferidas, pode parecer tolice, mas eu não tenho dúvida dos efeitos que elas poderiam trazer, afinal pra música não tem contato físico, não tem risco de contaminação. Antes de iniciar na assistência hospitalar na linha de frente da covid-19, fiquei pensando o que poderia fazer pra dar alguma humanidade pra assistência, mas só estando lá pra saber que a maior humanização e cuidado está na vigilância ativa dos pacientes, e até tento arriscar umas gracinhas pra ver se arranco algum sorriso deles de vez em quando, mas não tem muito toque, nem muita conversa, se escorre uma lágrima de emoção tem que esperar secar, e só. 

Ontem pensei nisso tudo novamente ao ficar observando uma paciente em cuidados paliativos, ela tem 36 anos, tem um rosto lindo, tem câncer e suspeita do novo coronavírus, ela tava com muita dor, e eu não tinha como fazer nada por ela, além de chamar o médico pra aumentar a dose da morfina pra que tivesse algum alívio. Eu fiquei me perguntando se seria possível pensar em algo naquela situação que ela se encontra, se ela consegue ter outro pensamento que não seja a dor física, fiquei pensando que se quando a dor aliviasse, e então alguma música pudesse tocar, se ela não sentiria alguma sensação que não fosse ao menos tão ruim, ou até mesmo, minimamente boa, eu realmente não sei, mas com certeza ao ver ela mais tranquila, colocaria a música preferida dela pra tocar. 

*antes de escrever pesquisei no google acadêmico artigos científicos que falem sobre música nos hospitais e obtive 18.000 resultados, então apesar de não ter lido nenhum, tenho certeza que não estou falando aqui de nenhuma utopia.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

a vida finda

Vivo hoje o 7° dia da partida do meu pai dessa vida, perdi a pessoa que mais amava nesse mundo (até minha filha chegar). Foi como se tivessem arrancado um pedaço do meu corpo, dói tanto, morrer dói nos outros. Não importa as circunstâncias, o tempo, a forma, ninguém quer perder quem ama. E ainda que ele vivesse dizendo "eu já posso morrer" se referindo a nossa condição material: ele aposentado, deixaria a pensão pra minha mãe, eu enfermeira concursada, meu irmão engenheiro, uma neta que ele sempre me pediu, ele não podia morrer. Eu não queria perdê-lo por nada nesse mundo.  Na segunda passada, 16 de agosto de 2021 perto das 19h recebo a ligação da minha mãe aos prantos, "beta, acho que teu pai tá morrendo" e eu morri um pouquinho ali também, nunca uma viagem pra Itamaracá foi tão longa, fiz promessas pra Deus e pra Nossa Senhora da Conceição. Mas não tinha mais promessa que desse jeito, meu pai tinha morrido. Partiu de  forma relativamente breve, com alguma angústia

trabalhos e trabalhos

Vi meu pai e ainda vejo minha mãe fazendo trabalho braçal pra pagar as contas. Muitos trabalhos, meu pai serviços de dedetização, sendo dono de bar, vigilante, minha mãe bordando, revendendo avon, fazendo lanches, ofício que cumpre até os dias atuais. Me pego pensando nisso dentro da sala que trabalho com o ar-condicionado em 16 graus, onde passo as manhãs e as tardes realizando consultas de enfermagem na maior parte do tempo sentada fazendo avaliações, orientações, escutas. Refleti sobre esses trabalhos também uma vez quando entrei no elevador do plantão e comentei com a moça dos serviços gerais que eu tava sentindo frio, ela rebateu que "tava era com muito calor". Penso nisso o tempo todo, como um dia desses que vi um homem de manhã carregando sozinho no ônibus duas caixas de morango pra vender ou quando o marido de uma gestante que atendo não consegue se livrar de uma lesão que deve ser causada por fungos que com certeza veio do trabalho dele na Ceasa. Trabalho é trabalho

A mãe solo

A maternidade é um vivência muito individual e particular, cada mulher de acordo com seu contexto financeiro, emocional, social poderá viver esse processo de uma forma. A maternidade é tida socialmente como uma questão (um problema) exclusiva da mulher, costumo falar em encontros feministas que os problemas privados das mulheres não podem ser privados, devem ser públicos e "coletivizados" por que as questões de uma mulher na verdade são as questões das mulheres e assim são porque foram condicionadas historicamente e estruturadas pelo machismo. Considero a maternidade em si solitária, só você é mãe daquela criança, e isso traz uma carga gigante de responsabilidade para a vida das mulheres de todas as ordens, a maioria são condicionadas socialmente, mas nem todas, porque estou falando de um laço de amor e afeto eterno na vida de uma pessoa, e quando planejada ou desejada é realmente de uma indizível emoção. A maternidade é uma experiência maravilhosamente incrível, mas também p