Ele se levantou com alguma
dificuldade consequente da idade avançada, caminhou em direção a porta lateral
da sala, aquelas portas antigas que é dividida pela metade, em cima e embaixo,
abriu a parte de cima e cuspiu, foi apenas uma cuspida, mas meus olhos encheram
de lágrimas cheios de emoção, talvez você ache um exagero, mas pra mim foi
exatamente assim como estou a descrever, uma cuspida emocionante!
Não sei sua
idade, mas já passa dos noventa, o irmão mais velho do meu avô, Tio Valfredo me
emocionou nesta noite porque pude ver meu avô naquela simples cuspida e o pior
é que nem lembro se já vi meu avô cuspindo daquele jeito, mas foi ele que eu vi
ali. Quando meu avô Zé Guedes partiu da vida terrena, eu tinha oito ou nove
anos, não convivia muito com ele porque morava longe, mas guardo pequenas e
saudosas lembranças daquele senhor que passava bicho na praça de Jaguaribe, que
assistia qualquer coisa que passasse na tv na sua cadeira de balanço, que me
dava moedas e que quando eu pedia a benção ele respondia “deus te abençoe e te
faça feliz”.
Como não conheci meu avô paterno, ele foi minha única referência
de avô nesse mundo e ele tinha cara de avô mesmo e que bom, porque netos não
lhe faltava. Fez dez filhos, cinco homens e cinco mulheres, cinco Josés e cinco Marias, uma delas, Maria Amélia, minha mãe. Vovô zé guedes tinha uma energia
muito agradável, não sei falar muita coisa sobre ele, a lembrança mais viva que
tenho é de sua doença e sua morte, ele morreu na minha frente, lembro como se
fosse hoje, foi meu primeiro contato a morte, tristeza define, não quero mais
falar disso.
Lágrimas escorrem no meu rosto ao redigir essas linhas, a saudade
resolveu me visitar nesta noite de sábado, então escrevo, assim eternizo essa
sensação que é triste, mas que também é bonita. O tio avô que me referi acima,
mora com outra tia avó e um primo da minha mãe, recentemente morava também um
tio meu criado por essa tia, mas ele se casou. Ficaram então esses três
senhores solteiros, a casa é uma casa nostálgica em tudo, nas paredes, nos
móveis, nos retratos, no telhado e principalmente nas pessoas.
Quando chego lá,
muito raramente, sempre sou recebida com ternura e carinho e sempre é a mesma
coisa, minha tia que se chama “Terezinha”, sempre aconselha “aproveite enquanto
é moça, porque quando a idade chega, ela só vem com doença”, ela fala isso como
quem não aproveitou quase nada, meu Tio Valfredo não escuta bem e daí o nosso
diálogo é eu explicar de quem eu sou filha, na maioria das vezes ele acerta,
por aí sou Melka, mas pra ele sou “Roberta de Melinha”, já o primo da minha
mãe, Osvaldo, ele já deve ter mais de sessenta ou quase isso, ele me oferece
bolachas, refrigerante, diz que eu tô muito bonita e só vive metido num quarto
que fica nos fundos da casa consertando coisas velhas, quase inúteis.
É sempre
assim, o roteiro não muda, mas eu me sinto bem naquela casa, olhando aqueles
retratos antigos, conversando com aquelas pessoas que me trazem um pouco de
vovô Zé Guedes e então sempre que posso e estou disposta, faço uma visita a
estes senhores que sempre tem alguma coisa a dizer, mesmo dizendo sempre a
mesma coisa.
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