Eu nunca senti fome. Não é a fome que a gente tem vontade de comer quando o relógio marca meio-dia, não é a fome de passar um dia inteiro sem comer por qualquer motivo. Eu nunca senti a fome que tirasse minha dignidade. É essa fome que quero denunciar. A fome que humilha, castiga e maltrata. Fui provocada a pensar sobre em uma dessas conversas da pré-candidatura, perguntei que problemas seriam prioridade no Recife e o amigo respondeu sem pestanejar: a fome!
A maioria das pessoas fala trânsito, educação, segurança e então pela primeira vez alguém citou um problema mais humano que todos esses juntos, alimento é o combustível que nos dá a vida, quem não tem o que comer vive como? Vive morrendo? Vive pela metade? Finge que vive? Não sei, a gente nem vê. Que bom que pude ver pelo menos um pouco pelos olhos do amigo da conversa.
Me veio tanta coisa na cabeça, mas a princípio doeu, a fome deve doer mesmo, lembrei de um artigo que um camarada escreveu e queria compartilhar aqui com vocês, fala de Josué de Castro, de Lula e também cita Chico Science. Além dessas figuras ilustres, ao pensar na fome lembrei de Chico Xavier que com o pouco que tinha distribuía pães pra moradores de rua em um gesto de caridade como prega o espiritismo, pois bem, acho que a fome é um problema de tudo que todas essas figuras expressam quando penso nelas, a fome sem dúvidas é uma decisão política e falta de caridade entre nós, segue o artigo, não deixem de ler.
Se Josué fosse vivo...
Nilson Vellazquez
A fome como tema
Certa vez, em seu livro "A Geografia da Fome", afirmou o médico, geógrafo, romancista e sociólogo Josué de Castro acerca do fenômeno da fome: "Ao lado dos preconceitos morais, os interesses econômicos das minorias dominantes também trabalhavam para escamotear o fenômeno da fome do panorama espiritual moderno. É que ao imperialismo econômico e ao comércio internacional a serviço do mesmo interessava que a produção, a distribuição e o consumo dos produtos alimentares continuassem a se processar indefinidamente como fenômenos exclusivamente econômicos - dirigidos e estimulados dentro dos seus interesses econômicos - e não como fatos intimamente ligados aos interesses da saúde pública."[1]
Uma possível interpretação dessa afirmativa, ao tomar conhecimento da obra de Josué de Castro, é a preocupação constante que o pernambucano nutria para com aqueles que padeciam de fome e como esse "efeito colateral" do desenvolvimento capitalista que matava - e ainda mata - milhões de pessoas ao redor do mundo, e como matava no Brasil.
Engrenagem capitalista
Esse "efeito colateral" sempre foi peça da engrenagem capitalista no Brasil. Um país de incontáveis recursos naturais que negou à imensa parcela populacional o direito de fazer três refeições diárias, alimentando, desde as eras de desenvolvimento baseado na exploração dos recursos naturais até recentemente, a lógica traduzida pelos militares de que era preciso "fazer o bolo crescer" para então dividi-lo. O fato é que foram 500 anos de manutenção da lógica de desenvolvimento em detrimento da qualidade de vida da maioria da população e, no mais alto grau, a negação do direito de se alimentar para milhões de brasileiros.
Segundo Josué de Castro, "com a extensão territorial de que o país dispõe e com sua infinta variedade de quadros climato-botânicos, seria possível produzir alimentos suficientes para nutrir racionalmente uma população várias vezes igual ao seu atual efetivo humano; e se nossos recursos alimentares são até certo ponto deficitários e nossos hábitos alimentares defeituosos, é que nossa estrutura econômico-social tem agido sempre num sentido desfavorável ao aproveitamento racional de nossas possibilidades geográficas."[2]
Com a tomada do neoliberalismo no Brasil, transformando nosso país num verdadeiro quintal do imperialismo estadunidense, passamos a obedecer cegamente a divisão internacional imperialista do trabalho, transformando-nos num país líder em produção de grãos, carne e outros produtos, mas deixando 60 milhões de brasileiros em situação de miséria, ao ponto de tomarem sopa de papelão e de ter a fome como manchete fixa dos jornais brasileiros.
Novos ares
Em 2003, com a chegada de Lula à Presidência da República, o primeiro passo foi dado em relação à crítica que Josué de Castro fazia sobre o fingimento com que era tratado o problema da fome no mundo, segundo o autor, o silêncio em torno da fome era premeditado pelos interesses e os preconceitos de ordem moral e de ordem política e econômica de "nossa chamada civilização ocidental que tornaram a fome um tema proibido, ou pelo menos pouco aconselhável de ser abordado publicamente."[3]
Lula, em seu discurso de posse no Congresso[4], cita a palavra fome 14 vezes, com destaque para as seguintes passagens:
Como disse em meu primeiro pronunciamento após a eleição, se, ao final do meu mandato, todos os brasileiros tiverem a possibilidade de tomar café da manhã, almoçar e jantar, terei cumprido a missão da minha vida.
É por isso que hoje conclamo: Vamos acabar com a fome em nosso país. Transformemos o fim da fome em uma grande causa nacional, como foram no passado a criação da Petrobras e a memorável luta pela redemocratização do país.
Essa é uma causa que pode e deve ser de todos, sem distinção de classe, partido, ideologia. Em face do clamor dos que padecem o flagelo da fome, deve prevalecer o imperativo ético de somar forças, capacidades e instrumentos para defender o que é mais sagrado: a dignidade humana.
Necessidades materiais
Josué de Castro e Lula, longe de serem comunistas, aproximam-se ao afirmarem, através de suas práticas, da ideia de que é impossível garantir o desenvolvimento sem antes satisfazer as necessidades materiais. Para Stálin, "a lei econômica fundamental do socialismo é a garantia da máxima satisfação das necessidades materiais e culturais, sempre crescentes, de toda a sociedade, por meio do aumento e do aperfeiçoamento ininterruptos da produção socialista à base de uma técnica superior."[5]
Obviamente, mesmo não sendo à base de uma "produção socialista", foi o governo do presidente operário e a continuação desse projeto pela presidenta Dilma que garantiram ao Brasil que um contingente de 15,6 milhões de pessoas superassem a subalimentação e retirassem o país do vergonhoso mapa da fome, conforme relatório da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). Mesmo sabendo que ainda há 3,4 milhões de pessoas em estado de subalimentação, esses números e mudanças orgulhariam o ex-presidente da FAO, Josué de Castro, visto os números negativos da época em que viveu e os da década de 90.
"Ô, Josué, eu nunca vi tamanha desgraça, quanto mais miséria tem, mais urubu ameaça"
Por isso, entre tantas outras razões, é de se imaginar que, à minoria privilegiada economicamente, sobre o papel lamentável de combater os anos de mudanças por que o Brasil tem passado. Ver, não apenas suas necessidades serem satisfeitas, mas as da maioria, é, de fato, inquietante para eles. Nesse quadro de intolerância e ódio, não é de se estranhar se víssemos faixas de "Fora, Josué!", caso ele fosse vivo, assim como fizeram com Paulo Freire. Essa elite, não incomodada com a miséria alheia, é ferozmente traduzida por Chico Science: "ô, Josué, eu nunca vi tamanha desgraça, quanto mais miséria tem, mais urubu ameaça". Mas, aos brasileiros, como Josué, a mensagem de esperança dos que lutam por justiça: estamos vencendo a fome, a miséria e o esquecimento de milhões de brasileiros; vamos vencer os urubus e o ódio!
Referências:
[1] CASTRO, Josué. Geografia da Fome. Editora Brasiliense, 5ª edição. São Paulo, 1957.
[2] idem.
[3] idem.
[4] http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u44275.shtml
[5]https://www.marxists.org/portugues/tematica/livros/materialismo/02.htm
http://versosdopovo.blogspot.com.br/2015/03/se-josue-fosse-vivo.html
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